Existe recorrentemente uma agitação das minas e um grande silêncio da maioria dos manos quando se discute o papel da mulher na cultura hip hop. Muitos MCs ainda insistem em achar que “Amélia é que era mulher de verdade” e têm coragem para expor isso, e muito mais, em suas letras, seja de forma “romântica” ou com aquele velho (e chato) papo de colocar carimbo de vagabundas em todas que não são suas mães ou filhas (até suas companheiras geralmente levam a pior nessa). Se questionados cara-a-cara sobre seu machismo, eles afirmam: “Eu? Mas eu amo as mulheres”. Não querem aprofundar o tema e nem reconhecer esse tumor maligno que muitos têm dentro de si, a misoginia.
Quando ouço a maior parte dos irmãos do hip hop fico me perguntando se eles não têm amigas, parentes, namoradas,esposas, professoras. Porque nunca aparecemos nas citações públicas deles? Protagonizando algo ou como referência então, nem pensar! Não somos parte da história? Claro que somos, sempre fomos e fizemos acontecer, mas agora chega de bastidores. Neste instante me vem à cabeça um grosso dicionário de mulheres-referências pra mim, pro hip hop nacional. Será que vou ter que publicá-lo pra que essas mulheres sejam ao menos citadas como referência? Porque se for preciso lembrar a todo instante, estamos aqui, também, pra isso!
Existem muitos camaradas nos quatro cantos do país fortalecendo a luta antimachista, um salve pra todos eles, mas tá cheio de hipócrita reacionário com máscara de revolucionário. Mudar o mundo lhes parece fácil, mas se educar para não massacrar as mulheres e detonar com a auto-estima delas é como se fosse irrelevante. É mais fácil nos chamar de loucas, descompensadas e neuróticas vitimizadas. Não dá, não sou parceira de quem é machista nem sexista, racista então é assunto pra outros muitos textos e militâncias porque mulher preta é a base da pirâmide social, assunto que deve ser encarado urgentemente por todas e todos.
Há séculos o discurso da mulher vem sendo desqualificado dentro e fora da cultura hip hop. Mas dentro dela muito mais me espanta que os avanços sejam tão pequenos ainda. Porque os manos ainda caem nesse lugar-comum-machista, mesmo levantando bandeiras de transformação social? Isso me angustia!
Antes que argumentem, sim, existem mulheres que se colocam em posição de validar atitudes machistas, mas esse espaço não irei lhes dedicar aqui. Afinal somos também fruto de uma sociedade machista, sexisista e patriarcal que tornou praxe histórica silenciar e aniquilar a auto-estima das mulheres. Para mim essas hermanas são vítimas no pior sentido da palavra, induzidas a sermos frágeis acabamos muitas vezes sucumbindo tristemente. E pra quem acha que é conversa de feminista radical, pode até ser, mas já li tanta coisa machista que só peço ser acompanhada no raciocínio até o final. Alguém já reparou que sempre que mulher fica com raiva a culpa é da TPM? Nos arrancam a racionalidade e nos fazem só sentimento o tempo todo. Como se nosso legado para a humanidade fosse somente a maternidade e os hormônios, desdobramento da mesma coisa ao final.
Minha formação identitária se deu no movimento anarquista, também na rua, sempre estive muito perto e, de oito anos para cá, totalmente dentro do hip hop. Me assusto, ainda, e não quero perder o espanto. Porque não quero achar normal nem banalizar o machismo. Vejo a movimentação da mulherada pelo país inteiro e me movimento. As mulheres estão mexendo no cenário e reciclando o hip hop nos quatro elementos, sempre cheias de militâncias, generosidade, força e competência, sem esquecer a beleza. Não podemos, jamais, permitir que esta contribuição substancial fique só nos bastidores.
Novas formas de fazer produção, de criar redes, projetos que explodem pelo Brasil, alianças. Somos protagonistas disso. Mulheres que trocamos o pneu do carro enquanto dirigimos, porque fazemos arte, produzimos e fortalecemos a cultura hip hop enquanto lutamos incansavelmente pelo lugar de fala, por visibilidade, pelo fim da desqualificação do nosso discurso e competência.
Algumas vezes ouvi pessoas dizendo que as mulheres não devem esperar que os homens lhes abram espaço e sim tomá-lo. Estranho as pessoas não perceberem que é só isso que vimos fazendo historicamente, resistindo e arrombando portas. E o processo, sempre lento. Eu acredito seriamente na nossa força feminina de transformação e resistência e, acredito totalmente que, os homens da cultura hip hop que ainda não tentaram fazer uma revolução humana no sentido de olhar para o lado, enxergar e considerar o artigo feminino estão fracassando miseravelmente em qualquer possibilidade de se ser considerado militante de causas sociais ou do que quer que seja.
Para quem não sacou que nós existimos enquanto articuladoras, donas das falas, intelectuais, protagonistas, agentes, só posso lamentar. Porque isso se reflete em uma grande involução do hip hop nacional. Isso não é só problema das mulheres, transcende, estagna tudo.
Um grande salve para os hermanos que estão na luta lado a lado e, ainda maior, para as mulheres que resistem, criam e me inspiram diariamente. Somos muitas, somos fortes. Muita sensibilidade, resistência e força nas nossas perucas!
1 comentários:
Prezada Jaqueline Fernandes, muito prazer!
Descobri a Griô Produções no site da ANCEABRA.
Parabenizo pelas iniciativas em prol da cultura afro-brasileira.
Sou produtor cultural e estou produzindo o Projeto Cidade do Trabalho - Memórias da Vila Operária da Boa Vuagem, que conta a história das operárias e operários da Companhia Empório Industrial do Norte do maior empresário afro-descendente do brasil, o baiano Luíz Tarquínio.
Tenho um perfil no Facebook e peço que d~e uma olhada e se possível me adicione. Desejo me cadastrar na ANCEABRA, mas não consigo contato pelo site. Vc tem o contato da organização?
Abraço forte e um 2011 muito produtivo para a Griô Produções.
Cordialmente,
Orlando Valle - produtor cultural
Salvador, Bahia.
valleartbrasil@gmail.com
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