15 de set. de 2009
Uma lei pra inglês ver
Gazeta do Povo/PR
Sexta-feira, 11 de setembro de 2009
Ativistas do movimento negro afirmam que a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial não traz mecanismos práticos para a redução das desigualdades no Brasil. O texto foi aprovado na Câmara dos Deputados na quarta-feira e sofreu diversas modificações desde o projeto inicial. A matéria tramita no Congresso há dez anos e a base governista teve de abrir mão dos pontos principais para tirá-la da gaveta. Ficaram de fora a criação de cotas nas universidades públicas e a regularização de terras quilombolas. A votação ocorreu em caráter conclusivo e o texto segue agora para o Senado.
O deputado Antônio Roberto (PV-MG), relator, queria ter aprovado o projeto em maio, mas suspendeu a votação para negociar com os líderes da oposição quatro pontos principais. O primeiro era a questão quilombola. Pelo texto inicial, descendentes de comunidades negras teriam assegurado o direito de regularização fundiária das terras ocupadas. O segundo ponto era a criação de cotas em todas as universidades públicas brasileiras de acordo com o porcentual de negros de cada estado. Em terceiro lugar estava a exigência de um porcentual mínimo de afrodescendentes nos meios de comunicação. E, por fim, o favorecimento de empresas com ações afirmativas (incentivo à contratação de afrobrasileiros, por exemplo) em licitações públicas. Todos os pontos de discórdia foram retirados.
Para os militantes, houve a supressão das principais ações que poderiam trazer mudanças imediatas para a população negra. Foram aprovadas questões relativas à saúde dos afrodescendentes, discriminação na internet e liberdade religiosa. Foi uma derrota muito grave. O governo abriu mão da negociação. É uma lei para inglês ver, afirma Reginaldo Bispo, coordenador nacional de organização do Movimento Negro Unificado, um dos principais movimentos sociais do Brasil em prol das ações afirmativas. Para ele, o Estatuto será inoperante e uma armadilha eleitoreira para 2010.
Um dos principais argumentos de quem era contrário à aprovação desses pontos na nova legislação é que esse seria um marco divisor do Brasil em raças. Já os críticos desse pensamento afirmam que o país sempre foi dividido entre negros e brancos. Há 500 anos é assim. Até hoje, as classes populares tiveram poucos ganhos, argumenta Bispo. A aprovação reflete a desigualdade social. O Estado continua a beneficiar uma elite branca.
No Paraná, a Associação Cultural de Negritude e Ação Popular (ACNAP) também lamentou a aprovação do Estatuto sem os pontos considerados principais. A questão das cotas é primordial. Aqui na Universidade Federal do Paraná, por exemplo, conseguimos colocar 2 mil negros no ensino superior em cinco anos. Imagine esse processo em todo o país?, diz o militante Jaime Tadeu. Ele argumenta que há relutância de determinados setores da sociedade em reconhecer a desigualdade. Acham que somos todos iguais e que não existe discriminação. Não posso tratar de forma igual quem viveu explorado por 500 anos. Para Tadeu, somente a possibilidade de incentivos fiscais e recomendação de mais investimentos e não uma lei determinando isso não farão grande diferença no cotidiano dos negros.
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Principais pontos
Confira como ficou o Estatuto da Igualdade Racial:
O QUE FOI APROVADO
Política
Partidos serão obrigados a ter 10% de negros, e não 30% como era previsto anteriormente, entre os candidatos nas eleições proporcionais.
Saúde
O Sistema Único de Saúde (SUS) terá de se especializar em doenças mais comuns na população afrobrasileira, como a anemia falciforme. Também cria as diretrizes da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra.
Educação
Inclui no currículo obrigatório disciplinas que estudem a História da África e do negro no Brasil.
Esportes
A capoeira foi reconhecida como esporte de criação nacional e o Estado deve garantir recursos para manutenção e proteção da prática.
Empregos
O poder público poderá dar incentivos fiscais para empresas que tiverem mais de 20 empregados ou que contratarem pelo menos 20% de negros.
Discriminação
A proposta acrescenta ao crime de racismo a prática deste ato pelo meio virtual. A pena varia de um a três anos.
Recursos
O Estado deverá prever recursos para ações afirmativas nos planos plurianuais e nos orçamentos anuais.
Liberdade religiosa
Assegura o livre culto às religiões afrodescendentes e a possibilidade de denúncia ao Ministério Público em casos de intolerância religiosa.
Acesso à terra
O Estado expandirá o financiamento agrícola para desenvolver as atividades da população afrobrasileira no campo.
O QUE FICOU DE FORA
Saúde
A identificação da raça/cor em documentos do SUS, que serviria de base para traçar políticas públicas específicas.
Educação
Criação de cotas em todas as universidades públicas brasileiras e nos contratos do Fies.
Quilombolas
Remanescentes de quilombos teriam a propriedade definitiva das terras ocupadas.
Mercado de trabalho
O Estado poderia realizar a contratação preferencial de afro-brasileiros no setor público e incentivar medidas semelhantes nas empresas privadas.
Em uma licitação, o critério de desempate poderia ser o fato de empresas terem ou não ações afirmativas.
Meios de comunicação
Filmes, peças publicitárias e programas de tevê teriam no mínimo 20% de afrobrasileiros.
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